Memorial do Rio Tietê

O Cotidiano dos Aventureiros

No tempo das monções, quando a circulação pelo Tietê esteve em seu auge, a técnica de navegação fluvial conservou quase intacta a tradição indígena. As canoas eram feitas de casca, que eram as mais apropriadas aos rios encachoerados e, enquanto as árvore encontradas próximo às margens o permitiram, chegaram a medir dezessete metros de comprimento por mais de metro de boca. As madeiras utilizadas eram principalmente a peroba e a ximbaúva, e as canoas tinham um perfil bastante adequado para a travessias por terra, quando as quedas mais altas assim exigiam.

As expedições saíam de Araritaguaba com dezenas e às vezes centenas de canoas. Como o tempo, começaram a incorporar melhoramentos, como toldos e mosquiteiros, garantindo a proteção dos víveres transportados e a segurança dos viajantes contra os insetos que infestavam os rios. Depois de fundada a fazendo Camapoã, em 1725, onde se criava, e plantava para renovar a alimentação dos viajantes, esta parada, a meio caminho para Cuiabá, se tornou obrigatória.
A morosidade ou rapidez das monções dependia em boa parte da habilidade dos pilotos em evitar os obstáculos do rio e da força empregadas pelos remeiros. Também dependia do regime das águas: o Tietê cheio podia ser percorrido em 12 a 15 dias; na seca, o tempo podia dobrar. De Araritaguaba a Cuiabá levava-se, em média, cinco meses.
Os viajantes navegavam somente durante o dia, depois de dissipados os nevoeiros, e até pouco antes do por do sol, quando se acomodavam às margens dos rios para passar a noite em terra firme. Nesses acampamentos improvisados limpavam o mato, armavam as redes para dormir, dançavam o cururu, uma dança de roda, aprontavam a ceia e preparavam a refeição do dia seguinte, que consistia no virado à paulista (feijão, toicinho e farinha de milho), que era comido frio, à bordo da canoa.
Se a sorte estivesse a favor, já a ceia seria quente: teria caças, como capivaras, pacas e tatus, além de grande variedade de aves; teria peixes, como jaús, dourados, surubis e paús, muitos dos quais pescados no probombo, a pescaria noturna à luz de fachos; e, para os doentes, teria caldo de carne de anta ou de veado, ou galinhas chamadas condutas, transportadas desde o porto de partida.