Poucos Avanços na Lei das Águas

Diário de Comércio e Indústria – DCI – 19 de janeiro 2017

*Carlos Bocuhy

 

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A Lei das Águas ( 9433/1997) completou, no último dia 8 de janeiro, 20 anos sem muito o que comemorar. Os projetos de despoluição dos rios andam a passos de tartaruga e os comitês das bacias hidrográficas criados para buscar soluções nunca tiveram a participação de 50% da sociedade civil, conforme estabelece a lei.

No atual contexto e modelo civilizatório, a eficaz gestão das águas não pode prescindir da sustentabilidade ambiental, ecossistêmica. É uma dinâmica que devemos compreender, visando corrigir erros e mudar o comportamento da sociedade de forma a garantir a nossa vida e a das futuras gerações.

A governança do sistema, que se retrata principalmente pela gestão política, responsável por planejamento e administração, foi contemplada na Lei das Águas com a participação da sociedade civil. O objetivo foi garantir transparência nas decisões, atendendo, com isso, ao interesse de todos os segmentos e evitando-se apenas os econômicos, do governo e das empresas.

Esse equilíbrio de forças tem se mostrado quase impossível, especialmente por dois motivos.

O primeiro é que o atual sistema político brasileiro quase desaba por falta de ética, seja na estrutura político-partidária, arcaica, ou nas administrações pontuais, onde prevalece o uso de marketing sobre uma boa e real gestão. Essa simulação vem tornando a agenda da água um quase factoide, com poucos avanços nos projetos de despoluição.

O segundo motivo é a ausência de participação social nas discussões. Ela não foi devidamente implementada, com pelo menos 50% de presença da sociedade civil nos Comitês de Bacia Hidrográfica. Não passa hoje de 25%.
Este fato foi questionado pelo Ministério Público, por meio do Grupo de Atuação Especial de Defesa do Meio Ambiente (Gaema), a comitês de bacia importantíssimos dentro da área da macrometrópole de São Paulo, ponto nevrálgico para a gestão da água, como os do Piracicaba, Capivari, Jundiaí (CBH-PCJ) - e do Alto Tietê (CBH-AT).

O Gaema do Alto Tietê quer entender a razão dessa falta de paridade: "Diante da contrariedade da representatividade minoritária das entidades da sociedade civil, também denominadas organizações civis de recursos hídricos (universidades, usuários e associações) aos ditames da legislação federal, de que forma estão sendo adotadas providências por parte do comitê para regularização da atuação de ilegalidade na atual forma de composição? ".

O momento atual reúne dois tempos distintos: o ritmo natural, biológico, e o comportamento de uma sociedade regida pelo ritmo econômico. O primeiro segue a dinâmica natural, inafastável como a Lei da Gravidade, enquanto o segundo ignora limites, é voraz e busca lucro.

É preciso observar o que foi acordado pelo Brasil e mais duas centenas de países sobre mudanças climáticas. Alterações severas do clima mundial levarão à instabilidade no acesso humano à água, alimentos, moradia e salubridade. E poderão provocar migrações em escala jamais enfrentada pela humanidade. Isso gera disputa por espaço e por meios de sobrevivência. As mudanças climáticas são uma ameaça à água e à paz mundial. Se não fizermos a lição de casa com a real implementação da Lei das Águas, estaremos também sujeitos, no Brasil, a essas graves consequências.

*Carlos Bocuhy é conselheiro do CONAMA e presidente do PROAM-Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental